domingo, 18 de dezembro de 2011

Faz contas ou faz-de-conta?

por Ricardo Viveiros

Roberto tem 11 anos e está na 5ª série de uma escola estadual . Até aí, nada de anormal, não fosse por um detalhe: Roberto ainda não sabe ler e escrever!
A mãe é empregada doméstica e contou o fato à filha da patroa, que, depois de diversos contatos na escola e na Delegacia de Ensino responsável, conseguiu inscrevê-lo em um programa de reforço escolar, na própria instituição em que já estava matriculado. Um recurso disponível, simples, e que não estava sendo usado apenas porque nenhum professor se dera conta do "pequeno" problema de Roberto.
Sérgio é professor da rede pública na Zona Leste e passa vários finais de semana corrigindo provas e preparando avaliações. Não estaria fazendo nada além de suas obrigações profissionais, se também não fosse outro detalhe: ele está simplesmente proibido de reprovar qualquer aluno.
Edileuza faz o 1º grau à noite, também em escola pública. Não consegue acompanhar as aulas e quando uma zelosa professora questionou se não seria melhor para ela mesma ser reprovada, revendo alguns conteúdos, pediu encarecidamente que não fizessem aquilo com ela.
E explicou: o baixo rendimento era resultado do sono, pois acordava às 4 horas da manhã para ir trabalhar como doméstica. Seu sonho era obter o diploma do 1º grau para arranjar um emprego em escritório e assim, quem sabe, poder dormir duas horas a mais.
Recentemente, o MEC divulgou dados capazes de deixar orgulhoso qualquer estadista. Pela primeira vez na história, o País comemora o fato de que o índice de crianças e jovens entre sete e 14 anos matriculados na escola ultrapassou a marca de 93% do total.
Nos últimos anos, o Ensino Fundamental também cresceu significativamente e, no nível Superior, nunca houve uma oferta de vagas tão grande, o que, apesar da qualidade questionável de alguns cursos denunciada por exames como o Provão, sem dúvida acaba contribuindo para a ampliação das possibilidades de acesso ao diploma universitário.

Esses números e as três histórias acima contadas - todas verídicas, em que apenas os nomes das personagens são fictícios - exibem o paradoxo vivido hoje pela escola pública brasileira.

Um sistema cada vez mais homogêneo e não-excludente, mas que corre o risco de ver ótimas idéias serem transformadas em um ensino de mentira, em que alunos são aprovados sem adquirir os conhecimentos mínimos necessários para aprender conteúdos mais complexos.

Boa parte dos avanços estatísticos obtidos pelo País deve-se à disseminação de uma nova mentalidade junto aos professores da rede pública. A partir dos anos 80, popularizaram-se teses como a dos ciclos escolares, em substituição ao tradicional sistema de séries estanques, com suas velhas provas mensais ou bimestrais de avaliação e exames nos finais de ano.

A nova proposta, defendida por teóricos e pedagogos ligados a instituições como USP, Unicamp, PUC e Fundação Carlos Chagas, foi colocada em prática a partir da redemocratização do País e da chegada ao poder de grupos de pensadores de centro-esquerda e da democracia cristã.

O inimigo público número 1 desse grupo de teóricos e pedagogos era o elevado índice de repetência e a conseqüente evasão escolar, que durante anos apresentaram números assustadores.

Um olhar rápido sobre os números atuais pode levar a comemorações. Entretanto, corremos o risco de estar disseminando outra vez uma educação de faz-de-conta, na base de professores que fingem ensinar, alunos que aparentam aprender e autoridades que simulam priorizar a educação.

Não é com pedras atiradas sobre governadores e muito menos com silogismos matemáticos que o País resolverá a difícil equação de oferecer ensino de qualidade a parcelas cada vez maiores da população, inadvertidamente repetindo a fórmula utilizada por ministros da área econômica para maquiar a inflação nos anos 70.

Ou seja, se não era possível controlar "o monstro", mudava-se a fórmula do cálculo, os índices utilizados e, por conseguinte, os números finais.

Da mesma forma, afrouxar os laços da avaliação e evitar a todo custo as reprovações podem ser medidas bem intencionadas, mas acabam se transformando em tremenda injustiça para alunos como Roberto - praticamente ignorado em sua dificuldade de aprendizagem na sala de aula - e para muitos professores como Sérgio, cientes de seu papel e das conseqüências de seus atos na vida de jovens esforçados, como Edileuza, que, sem uma formação adequada talvez perca, em pouco tempo, até mesmo o emprego que a faz acordar de madrugada.

É hora de o governo parar de fingir que faz e, todos nós, de fingir que acreditamos.

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